Lidar com crise de imagem e proteger a reputação da sua marca são desafios comuns para empresas de todos os tamanhos, desde que o mundo é mundo.

Somado a isso, o desenvolvimento da tecnologia e a forma como ela já foi incorporada em nosso cotidiano trouxeram novos ingredientes e perspectivas para as relações comerciais, para o marketing e, claro, para a comunicação.

O mercado de milhas é um ótimo exemplo dessa transformação. 

Inicialmente, funcionava como um programa de recompensas criado pelas companhias aéreas para premiar clientes recorrentes. Com o tempo, no entanto, novas vantagens e meios para obtenção de benefícios foram incorporados a essa estratégia.

A certa altura, já era possível trocar milhas por outros serviços e produtos. Logo, as operadoras de cartões de crédito entravam em cena, oferecendo pontos e permitindo que estes fossem convertidos em milhas.

E assim – de maneira bem resumida – nasceu um dos negócios lucrativos do setor turístico.

A evolução do mercado de milhas

Não demorou muito, portanto, para que o mercado de milhas atraísse a atenção de outros players do setor e, a partir daí, surgiram as primeiras empresas especializadas em intermediar compra e venda de milhas aéreas. 

Foi o caso da HotMilhas, da Maxmilhas e, claro, da protagonista deste artigo – a 123 Milhas.

Isso porque, embora muito vantajosas, usufruir das milhas ainda era uma missão quase impossível para a maioria das pessoas. Afinal, boa parte dos cartões de crédito oferecem apenas 1 ponto por dólar gasto – e as companhias exigem no mínimo 5 mil pontos para resgatar um bilhete. 

Havia, pois, uma massa de clientes com milhas “paradas” e, do outro lado, uma legião de consumidores querendo voar pagando menos. E aí está a lógica do mercado de milhas, uma velha conhecida do sistema capitalista: a lei da oferta e da demanda.

A origem da crise no “mercado paralelo”

Como vimos até aqui, as empresas de intermediação de milhas surgiram para preencher uma lacuna de mercado. Essa espécie de “mercado paralelo” provocou uma verdadeira revolução no setor e começou a seduzir os viajantes com propostas cada vez mais irresistíveis. 

Mas a manutenção de preços incrivelmente baixos poderia se tornar insustentável a longo prazo – e foi o que aconteceu.

Com inúmeras variáveis envolvidas – como questões cambiais, tributárias e a própria volatilidade dos preços nas companhias aéreas -, o mercado de milhas começou a dar sinais de exaustão. 

Fato é que a situação da 123 Milhas não é um caso isolado e, além dos graves prejuízos para os consumidores, para o mercado e para o setor de Turismo em geral, nos ensina muito sobre gestão de crise de imagem – neste caso, sobre o que não fazer. Quer entender o porquê? 

O “Tribunal da Internet” não perdoa

Desde sempre, as organizações precisam lidar com crises de imagem. Antes mesmo do boom das redes sociais – que eliminou distâncias, aproximou consumidores e criou verdadeiras aldeias digitais – a opinião pública já fazia seus tribunais.

O que mudou, nos últimos anos, é a velocidade com a qual esses danos são percebidos. Uma notícia que até então dependia da grade jornalística das emissoras de TV ou da edição dos jornais impressos, que só circulavam no dia seguinte ao fato, hoje não precisa de mais do que alguns minutos para viralizar e ir a júri popular no “Tribunal da Internet”.

E, cá pra nós, uma empresa que já nasceu no contexto digital, não pode errar. Mas detalharemos isso adiante. 

Inicialmente, é importante destacar que o gerenciamento de uma crise de imagem requer planejamento, estratégia, liderança, honestidade, alinhamento, agilidade, monitoramento constante e, talvez o principal, mudança.

Algumas dessas premissas foram flagrantemente negligenciadas pela 123 Milhas, como constataremos a seguir!

crise de imagem

O que aprendemos com a crise de imagem da 123 Milhas

O caso da 123 Milhas traz inúmeras reflexões, muitas delas ainda em construção com o desenrolar da crise. A essa altura, contudo, já é possível tirar algumas lições. 

Pensando nisso, e com base em nossa experiência de décadas em assessoria de comunicação e gestão de crise de imagem, comentamos a seguir 5 erros fatais que poderiam – e deveriam – ter sido evitados.

1. A 123 Milhas não antecipou a crise

Milhares de pessoas foram pegas de surpresa, numa sexta-feira, com a notícia de que não poderiam fazer aquela viagem sonhada e tão aguardada. 

Como consumidor, é incompreensível que, até pouquíssimo tempo atrás, a empresa ainda estivesse comercializando preços que, àquela altura, já se mostravam insustentáveis.

Ter atenção aos pontos críticos do mercado, monitorar os riscos do negócio e mapear frequentemente situações que podem impactar na reputação da empresa constituem a tríade da estratégia para antecipar potenciais crises de imagem e mitigar seus danos.

2. Faltou transparência

Em toda crise de imagem, independente do tamanho, a palavra de ordem é “transparência”. Isso porque é impossível reconquistar a confiança dos seus clientes sem ser absolutamente honesto sobre os fatores que o levaram à quebra de acordo – e suas ações perante o cenário.

Em comunicado oficial, a 123 Milhas se limitou a dizer que “lamenta profundamente esta situação e traçou um plano para minimizar os impactos desta ação”, não detalhando o que incluiria essa estratégia. 

O site da empresa, aliás, apesar de toda a crise, seguia emitindo passagens e não apresentava qualquer menção ao ocorrido na primeira página.

123 milhas crise de imagem

3. A empresa não assumiu sua responsabilidade

“Devido a circunstâncias alheias à nossa vontade, a linha PROMO está suspensa para comercialização e as passagens com embarque previsto para setembro a dezembro de 2023 não serão emitidas”, iniciou a 123 Milhas em nota divulgada aos seus mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.

Assumir a sua parcela de erro em uma crise mostra que você não só entende o problema intimamente, como também é capaz de gerar uma conexão emocional com os seus clientes – os maiores afetados. 

Para tanto, é preciso demonstrar empatia e ter uma compreensão profunda da sua responsabilidade no cenário de crise.

123 milhas crise de imagem

4. Não criou um canal de comunicação específico

Além de não oferecer uma compensação justa – já que, em vez de devolver integralmente os valores pagos pelos consumidores, a 123 Milhas anunciou que distribuiria vouchers -, faltou comunicação. 

Clientes afetados pelo cancelamento das passagens não conseguiram atendimento nos canais oficiais e foram orientados a enviar e-mail.

Sem resposta ou qualquer tipo de suporte por parte da empresa, muitos deles recorreram à Justiça, e a 123 Milhas já acumula mais de 16 milhões de processos judiciais, que somam R$ 200 milhões em pedidos de indenização (e essa cifra só cresce!).

5. A empresa não tem (ou não pareceu ter) um plano de contingência estruturado

Soltar uma nota não é suficiente. Assim como o meio digital não é homogêneo e requer táticas segmentadas, é preciso usar de várias estratégias de comunicação integradas para conter um dano de imagem

O que não parece ter sido o caso da 123 Milhas, que recorreu ao mesmo formato de conteúdo para responder à imprensa, aos seus clientes, ao mercado e, até mesmo, ao público interno…

… e com quase mil funcionários demitidos, não parece que isso vai mudar!



Esses foram alguns erros e aprendizados identificados por nós, da Letra A, na gestão (ou falta dela) de crise da 123 Milhas. E aí, o que achou? Quer ver mais análises como essa por aqui?

Escreve pra gente nos comentários! 🙂

Sobre o autor: Carla Cruz

Jornalista com pós-graduação em Propaganda e Marketing na Gestão de Marcas, pela UFRN, Carla Cruz tem mais de 10 anos de experiência em assessoria de comunicação. Atuou como supervisora de Comunicação da Unimed Natal, assessora parlamentar e coordenadora de Comunicação da Secretaria Estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos do RN. Fala sobre branding, marketing de conteúdo e comunicação organizacional.

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Lidar com crise de imagem e proteger a reputação da sua marca são desafios comuns para empresas de todos os tamanhos, desde que o mundo é mundo.

Somado a isso, o desenvolvimento da tecnologia e a forma como ela já foi incorporada em nosso cotidiano trouxeram novos ingredientes e perspectivas para as relações comerciais, para o marketing e, claro, para a comunicação.

O mercado de milhas é um ótimo exemplo dessa transformação. 

Inicialmente, funcionava como um programa de recompensas criado pelas companhias aéreas para premiar clientes recorrentes. Com o tempo, no entanto, novas vantagens e meios para obtenção de benefícios foram incorporados a essa estratégia.

A certa altura, já era possível trocar milhas por outros serviços e produtos. Logo, as operadoras de cartões de crédito entravam em cena, oferecendo pontos e permitindo que estes fossem convertidos em milhas.

E assim – de maneira bem resumida – nasceu um dos negócios lucrativos do setor turístico.

A evolução do mercado de milhas

Não demorou muito, portanto, para que o mercado de milhas atraísse a atenção de outros players do setor e, a partir daí, surgiram as primeiras empresas especializadas em intermediar compra e venda de milhas aéreas. 

Foi o caso da HotMilhas, da Maxmilhas e, claro, da protagonista deste artigo – a 123 Milhas.

Isso porque, embora muito vantajosas, usufruir das milhas ainda era uma missão quase impossível para a maioria das pessoas. Afinal, boa parte dos cartões de crédito oferecem apenas 1 ponto por dólar gasto – e as companhias exigem no mínimo 5 mil pontos para resgatar um bilhete. 

Havia, pois, uma massa de clientes com milhas “paradas” e, do outro lado, uma legião de consumidores querendo voar pagando menos. E aí está a lógica do mercado de milhas, uma velha conhecida do sistema capitalista: a lei da oferta e da demanda.

A origem da crise no “mercado paralelo”

Como vimos até aqui, as empresas de intermediação de milhas surgiram para preencher uma lacuna de mercado. Essa espécie de “mercado paralelo” provocou uma verdadeira revolução no setor e começou a seduzir os viajantes com propostas cada vez mais irresistíveis. 

Mas a manutenção de preços incrivelmente baixos poderia se tornar insustentável a longo prazo – e foi o que aconteceu.

Com inúmeras variáveis envolvidas – como questões cambiais, tributárias e a própria volatilidade dos preços nas companhias aéreas -, o mercado de milhas começou a dar sinais de exaustão. 

Fato é que a situação da 123 Milhas não é um caso isolado e, além dos graves prejuízos para os consumidores, para o mercado e para o setor de Turismo em geral, nos ensina muito sobre gestão de crise de imagem – neste caso, sobre o que não fazer. Quer entender o porquê? 

O “Tribunal da Internet” não perdoa

Desde sempre, as organizações precisam lidar com crises de imagem. Antes mesmo do boom das redes sociais – que eliminou distâncias, aproximou consumidores e criou verdadeiras aldeias digitais – a opinião pública já fazia seus tribunais.

O que mudou, nos últimos anos, é a velocidade com a qual esses danos são percebidos. Uma notícia que até então dependia da grade jornalística das emissoras de TV ou da edição dos jornais impressos, que só circulavam no dia seguinte ao fato, hoje não precisa de mais do que alguns minutos para viralizar e ir a júri popular no “Tribunal da Internet”.

E, cá pra nós, uma empresa que já nasceu no contexto digital, não pode errar. Mas detalharemos isso adiante. 

Inicialmente, é importante destacar que o gerenciamento de uma crise de imagem requer planejamento, estratégia, liderança, honestidade, alinhamento, agilidade, monitoramento constante e, talvez o principal, mudança.

Algumas dessas premissas foram flagrantemente negligenciadas pela 123 Milhas, como constataremos a seguir!

crise de imagem

O que aprendemos com a crise de imagem da 123 Milhas

O caso da 123 Milhas traz inúmeras reflexões, muitas delas ainda em construção com o desenrolar da crise. A essa altura, contudo, já é possível tirar algumas lições. 

Pensando nisso, e com base em nossa experiência de décadas em assessoria de comunicação e gestão de crise de imagem, comentamos a seguir 5 erros fatais que poderiam – e deveriam – ter sido evitados.

1. A 123 Milhas não antecipou a crise

Milhares de pessoas foram pegas de surpresa, numa sexta-feira, com a notícia de que não poderiam fazer aquela viagem sonhada e tão aguardada. 

Como consumidor, é incompreensível que, até pouquíssimo tempo atrás, a empresa ainda estivesse comercializando preços que, àquela altura, já se mostravam insustentáveis.

Ter atenção aos pontos críticos do mercado, monitorar os riscos do negócio e mapear frequentemente situações que podem impactar na reputação da empresa constituem a tríade da estratégia para antecipar potenciais crises de imagem e mitigar seus danos.

2. Faltou transparência

Em toda crise de imagem, independente do tamanho, a palavra de ordem é “transparência”. Isso porque é impossível reconquistar a confiança dos seus clientes sem ser absolutamente honesto sobre os fatores que o levaram à quebra de acordo – e suas ações perante o cenário.

Em comunicado oficial, a 123 Milhas se limitou a dizer que “lamenta profundamente esta situação e traçou um plano para minimizar os impactos desta ação”, não detalhando o que incluiria essa estratégia. 

O site da empresa, aliás, apesar de toda a crise, seguia emitindo passagens e não apresentava qualquer menção ao ocorrido na primeira página.

123 milhas crise de imagem

3. A empresa não assumiu sua responsabilidade

“Devido a circunstâncias alheias à nossa vontade, a linha PROMO está suspensa para comercialização e as passagens com embarque previsto para setembro a dezembro de 2023 não serão emitidas”, iniciou a 123 Milhas em nota divulgada aos seus mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.

Assumir a sua parcela de erro em uma crise mostra que você não só entende o problema intimamente, como também é capaz de gerar uma conexão emocional com os seus clientes – os maiores afetados. 

Para tanto, é preciso demonstrar empatia e ter uma compreensão profunda da sua responsabilidade no cenário de crise.

123 milhas crise de imagem

4. Não criou um canal de comunicação específico

Além de não oferecer uma compensação justa – já que, em vez de devolver integralmente os valores pagos pelos consumidores, a 123 Milhas anunciou que distribuiria vouchers -, faltou comunicação. 

Clientes afetados pelo cancelamento das passagens não conseguiram atendimento nos canais oficiais e foram orientados a enviar e-mail.

Sem resposta ou qualquer tipo de suporte por parte da empresa, muitos deles recorreram à Justiça, e a 123 Milhas já acumula mais de 16 milhões de processos judiciais, que somam R$ 200 milhões em pedidos de indenização (e essa cifra só cresce!).

5. A empresa não tem (ou não pareceu ter) um plano de contingência estruturado

Soltar uma nota não é suficiente. Assim como o meio digital não é homogêneo e requer táticas segmentadas, é preciso usar de várias estratégias de comunicação integradas para conter um dano de imagem

O que não parece ter sido o caso da 123 Milhas, que recorreu ao mesmo formato de conteúdo para responder à imprensa, aos seus clientes, ao mercado e, até mesmo, ao público interno…

… e com quase mil funcionários demitidos, não parece que isso vai mudar!



Esses foram alguns erros e aprendizados identificados por nós, da Letra A, na gestão (ou falta dela) de crise da 123 Milhas. E aí, o que achou? Quer ver mais análises como essa por aqui?

Escreve pra gente nos comentários! 🙂

Sobre o autor: Carla Cruz

Jornalista com pós-graduação em Propaganda e Marketing na Gestão de Marcas, pela UFRN, Carla Cruz tem mais de 10 anos de experiência em assessoria de comunicação. Atuou como supervisora de Comunicação da Unimed Natal, assessora parlamentar e coordenadora de Comunicação da Secretaria Estadual das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos do RN. Fala sobre branding, marketing de conteúdo e comunicação organizacional.

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