No dia 7 de janeiro de 2021, a Justiça determinou o direito a uma mulher transgênero de receber a pensão vitalícia do pai, que era militar. A solicitação administrativa, junto à Marinha do Brasil, foi realizada em 2018, quando a autora mudou sua certidão de nascimento e passou a ser reconhecida judicialmente pelo gênero feminino.
A primeira mulher trans a conseguir esse direito no Brasil é natural do Rio Grande do Norte e foi representada pelos advogados Dr. Hugo Lima (OAB 9771/RN) e Dra. Paloma Albuquerque (OAB 14956/RN). Com a decisão, a filha do militar falecido passará a receber a pensão vitalícia em condições de igualdade com suas duas irmãs solteiras.
“Nós lutamos há muitos anos pelos direitos da população LGBTQI+, e sabemos como é difícil conseguir ver os direitos dessa comunidade atendidos quando uma legislação específica sobre o tema ainda é inexistente no nosso país. Ver a causa da nossa cliente ganhar após tantos meses lutando na Justiça é indescritível, pois sabemos que agora outras pessoas trans poderão lutar em pé de igualdade por seus direitos”, declara a advogada Paloma Albuquerque, representante da autora na ação.
O caso
O pai da autora da ação morreu em 1979, quando ela tinha apenas 14 anos. Desde então, a jovem passou a receber a pensão, que foi interrompida aos 21 anos, conforme regulação estabelecida para filhos homens. Na ocasião, ela ainda tinha nos documentos o gênero masculino.
Em 2018, após a mudança no registro, ela fez o pedido administrativo, o qual foi negado pelo Serviço de Veteranos e Pensionistas da Marinha do Brasil, sob a justificativa de que ela não preenchia os “requisitos normativos”.
A nova decisão foi do juiz Ivan Lira de Carvalho, da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, a qual afirma que, se a União reconhece a alteração de gênero para tirar o benefício de alguém, também deve reconhecer na hora de conceder a pensão.
“O fundamento em que ambos os casos se lastreiam é um só: o gênero do beneficiário. E isso independentemente de a formalização de tal condição ter sido efetivada posteriormente ao óbito do instituidor do benefício”, diz a decisão.
Um dos argumentos decisórios apresentados no processo pelos advogados foi o de que a autora sempre se apresentou utilizando o gênero feminino, inclusive se vestindo com roupas caracterizadas femininas desde a infância.
“Os pais e irmãos da nossa cliente, bem como a sociedade, sempre a reconheceram e a aceitaram como uma pessoa do gênero feminino, então desde a infância ela já se apresentava como mulher”, comenta o advogado Hugo Lima. Outra personagem importante para a ação, e que também foi ouvido no processo foi o médico que acompanhou a transição da autora da ação desde a adolescência.
Um novo passo para a jurisprudência dos direitos LGBTQI+
Os direitos da população LGBTQI+ é um tema que vem ganhando cada vez mais destaque e repercussão no ordenamento jurídico. A Constituição Federal garante a igualdade entre os indivíduos, a fim de promover o bem de todos e combater qualquer forma de discriminação e preconceitos de raça, cor, idade, origem, religão e orientação sexual.
No entanto, apesar de vários dispositivos legais já terem sido alterados e/ou adequados, possibilitando o alcance de várias conquistas para a comunidade – como o casamento homoafetivo, a adoção de crianças por casais homoafetivos, o uso de nome social por pessoas trans, a doação de sangue, e a criminalização da homofobia, por exemplo – ainda não há uma lei específica que ampare esse grupo.
O que possibilita tais decisões e garante os direitos conquistados é justamente a jurisprudência majoritária reconhecida a partir de decisões judiciais anteriores. O que significa que casos como o da potiguar, que conseguiu o direito à pensão vitalícia militar, são de extrema importância para somar aos direitos até aqui alcançados e abrir caminhos para novas conquistas da população LGBTQI+.
“Os direitos sociais alcançaram a união de pessoas do mesmo sexo; a Constituição Federal brasileira princípios o direito às dignidade de cada ser humano de orientar-se de modo livre e merecedor de igualitário respeito; a medicina possibilitou a alteração ou adequação do sexo humano; a sociedade passou a conviver com uma realidade diferenciada dos padrões de outrora, em que o sentir, a apresentação do ser humano para a sociedade, foi elevado a um patamar de importância até então incomum”, afirma a decisão do juiz Ivan Lira de Carvalho.
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